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Dia do Trabalhador: Dias incertos em período contínuo da pandemia. Não há o que comemorar. Por Renato Bessa.

No Brasil e em vários países do mundo, o Dia do Trabalhador é comemorado em 1º de maio.  É um feriado nacional, dedicado a festas, manifestações, passeatas, exposições e eventos reivindicatórios e de conscientização.

A História do Dia do Trabalho remonta o ano de 1886 na industrializada cidade de Chicago (Estados Unidos). No dia 1º de maio deste ano, milhares de trabalhadores foram às ruas reivindicar melhores condições de trabalho, entre elas, a redução da jornada de trabalho de treze para oito horas diárias. Neste mesmo dia ocorreu nos Estados Unidos uma grande greve geral dos trabalhadores.

Dois dias após os acontecimentos, um conflito envolvendo policiais e trabalhadores provocou a morte de alguns manifestantes. Este fato gerou revolta nos trabalhadores, provocando outros enfrentamentos com policiais. No dia 4 de maio, num conflito de rua, manifestantes atiraram uma bomba nos policiais, provocando a morte de sete deles. Foi o estopim para que os policiais começassem a atirar no grupo de manifestantes. O resultado foi a morte de doze protestantes e dezenas de pessoas feridas.

Existem aqui no Brasil relatos de que a data é comemorada desde o ano de 1895. Porém, foi somente em 26 de setembro de 1924 que esta data se tornou oficial, após a criação do decreto nº 4.859 do então presidente Arthur da Silva Bernardes. Neste decreto, Arthur Bernardes estabeleceu a data como feriado nacional, que deveria ser destinado à comemoração dos mártires do trabalho e confraternização das classes operárias.

Entretanto, nas décadas de 1930 e 1940, o presidente Getúlio Vargas passou a utilizar a data para divulgar a criação de leis e benefícios trabalhistas. O caráter de protesto da data foi deixado de lado, passando assumir um viés comemorativo. Vargas passou a chamar a data de “Dia do Trabalhador”.

A nossa relação com o trabalho começa desde cedo. Uma das primeiras perguntas que nos fazem quando somos crianças é “o que você quer ser quando crescer?”. A visão romantizada do que é o trabalho nos leva a responder aquilo que se sonha: astronauta, bailarina, bombeiro, médico. Na vida adulta, os caminhos que tomamos nem sempre são os que respondemos na nossa infância.

Mas afinal, o que é o trabalho e como ele se desenhou e continua se desenhando no Brasil? Visto como atividade degradante, desenvolvida por escravos, a origem da palavra trabalho remete a “tripalium”, que está associado à tortura. Hoje, em meio à pandemia do novo coronavírus, é possível perceber uma mudança mais profunda em relação aos modos de trabalho, em especial diante das transformações do mundo por meio da Era Digital, da automação dos processos produtivos e da Inteligência Artificial.

Entretanto, mesmo que aquilo que era uma tendência agora tenha se potencializado, vivemos no Brasil resquícios de um passado tão presente. A história do trabalho no Brasil é marcada, sobretudo, pela escravidão e pela permanente desigualdade de gênero e raça. A escravidão deixou marcas profundas, forjando uma ética do trabalho degradado e uma indiferença moral das elites em relação às necessidades da população. Nós temos mais tempo de trabalho escravo do que de trabalho livre e, mesmo com o fim da escravidão, os negros continuaram em uma posição social subalterna.

A mudança do modo de trabalho no Brasil, com o fim da escravidão e constituição de direitos básicos, tira o trabalhador da esfera de objeto (escravo) para se tornar pessoa (cidadão). Em 1918 é aprovada a primeira lei que garante algum direito aos trabalhadores, que é a legislação que rege os acidentes do trabalho; na Primeira República, temos o movimento operário organizado, além dos primeiros sindicatos e associações. Neste momento, uma das principais lutas é a valorização do trabalhador, ou seja, dizer que ele é importante para sociedade, é digno e se trata de um sujeito instruído. Nesse discurso temos o trabalhador considerado pessoa e, portanto, digno de ter direitos.

É a partir da criação da Organização Internacional do Trabalho em 1919 que, de certa maneira, se cria um regramento normativo que possibilite proteger o trabalho. Como foi feito no Brasil com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Constituinte de 1988.

O salário em troca da jornada de trabalho é um mecanismo que dá segurança ao trabalhador, se trata de um direito que está relacionada à valorização da pessoa enquanto cidadã. Não há sociedade que sobreviva sem o trabalho. O trabalho ou quem produz, tem, em cada contexto, uma consideração histórica específica. Na sociedade capitalista, as pessoas só conseguem obter os bens de sobrevivência e garantir a sua subsistência e da sua família se vendem a sua força de trabalho em troca de um salário.

Entretanto, a perda do vínculo empregatício, a informalidade, a precarização e a “uberização” do trabalho, têm ganhado cada vez mais espaço e agravando as relações de trabalho. De acordo com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE-FGV), a taxa de desemprego do Brasil pode saltar de 11,6% para 16,1% neste trimestre. Isso significa que 5 milhões de pessoas podem entrar na fila do desemprego em apenas três meses, elevando de 12,3 milhões para 17 milhões o número de pessoas sem trabalho no país.

O IBGE coloca que 23% da população brasileira ocupada é trabalhador por conta própria, o que significa: VIRE-SE. Desses, quase 80% não tem nenhuma formalização. É a categoria de ocupados que tem o rendimento médio mais baixo de toda a escala, é a condição precária de ganho de regularidade do trabalho, de incerteza em relação ao presente e ao futuro. Esse trabalhador que não tem CNPJ, não contribui para a previdência e não tem nenhuma possibilidade de pensar no futuro. Hoje, com as reformas Trabalhista e Previdenciária, a situação se torna ainda mais precária. A incerteza é a única certeza da vida da grande massa dos trabalhadores no Brasil.

A questão agora é como garantir uma renda mínima para a população e como financiar isso: redesenhar os sistemas tributários, rediscutir a distribuição de renda, tributar os super-ricos para evitar maiores tensões na sociedade e redesenhar as redes de proteção social e das formas de financiamento são tendências para o futuro pós Covid-19.

Com a situação de mercado comprometida devido à pandemia, em especial em países como o Brasil, o aumento da desigualdade e da pobreza são inevitáveis. Por outro lado, a pandemia pode servir como um grande laboratório para se testar novas relações de trabalho, novas tecnologias, sistemas mais eficientes e uma nova organização dos negócios. O mercado de trabalho refletirá sobre as mudanças socioculturais que momentos como esse podem provocar. Há várias questões que vinham sendo discutidas antes e que agora precisam ter o debate reorganizado. As relações de trabalho serão repensadas, mas ainda não sabemos o resultado disso.

O cenário de incerteza, medo e insegurança devido aos problemas de saúde pública e à falta de política social no Brasil fazem com que esse 1º de Maio seja de reflexão. Tudo isso nos afeta enquanto trabalhadores, mas acima de tudo enquanto seres humanos. É preciso ter consciência sobre o valor do trabalho, que precisa ser reinventado constantemente.

Busquemos a criatividade, encontremos força emocional no convívio com a família, vejamos como o outro também está sofrendo e tracemos estratégias todos os dias para a nossa sobrevivência. Aos poucos, compartilhando com os outros, estabeleceremos relações de confiança para lutar e superar esse momento.

Que o Primeiro e Maior dos Trabalhadores tenha piedade de nós e nos livre das pragas que assolam o mundo. Que apesar de todas as incertezas e angustias, possamos ter fé em Deus e vivermos um feliz Dia do Trabalhador.

O autor é Policial Civil, Diretor do SINPOL-AM, Bacharel em Educação Física e Direito e Especialista em Segurança Pública.

Colaborou: Jornalista Profissional Diplomado, Silvio Caldas. MTE-AM 416.

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