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Os impactos do COVID-19 sobre o mundo do trabalho. Por Renato Bessa

O COVID-19 terá impactos de longo alcance nos resultados do mercado de trabalho.

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Além das preocupações urgentes com a saúde dos trabalhadores e de suas famílias, o vírus e a crise econômica resultante da pandemia impactarão o mundo do trabalho em três dimensões principais. As primeiras estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), mostram um aumento substancial no desemprego e subemprego como resultado do surto do vírus.

Com base em diferentes cenários para o impacto do COVID-19 no crescimento global do PIB, as estimativas preliminares da OIT indicam um aumento no desemprego global entre 5,3 milhões de pessoas (cenário “baixo”) e 24,7 milhões (cenário “alto”), a partir de um nível base de 188 milhões em 2019. O cenário “médio” sugere um aumento de 13 milhões desempregados (7,4 milhões nos países de alta renda).

Embora essas estimativas permaneçam altamente incertas, todos os números indicam um aumento substancial no desemprego global. Para comparação, a crise financeira global de 2008-2009 aumentou o desemprego em 22 milhões de pessoas. Como observado em crises anteriores, os efeitos adversos sobre a demanda por trabalho provavelmente levarão a amplos ajustes em termos de redução de salários e horas de trabalho.

Embora o trabalho por conta própria normalmente não reaja às crises econômicas, ele atua como uma opção “padrão” para a sobrevivência ou manutenção da renda geralmente na economia informal. Por esse motivo, o emprego informal tende a aumentar durante as crises. No entanto, as atuais limitações à circulação de pessoas e de bens podem restringir esse tipo de mecanismo de enfrentamento.

A redução da atividade econômica e as restrições à circulação de pessoas afetam os setores, industrial e de serviços. O setor terciário, em particular as atividades de turismo, viagens e varejo são especialmente vulneráveis. Segundo uma análise preliminar do Conselho Mundial de Comércio e Turismo, espera-se uma redução nos deslocamentos internacionais de até 25% em 2020, o que poderia colocar em risco milhões de empregos.

A oferta de mão de obra está diminuindo como resultado das medidas de quarentena e da redução da atividade econômica. Os impactos no emprego implicam grandes perdas de renda. Prevê-se uma perda geral de renda do trabalho entre 860 e 3.440 bilhões de dólares. A perda de renda do trabalho se traduzirá em menor consumo de bens e serviços, o que é prejudicial para a continuidade dos negócios e para garantir que as economias sejam resilientes.

Epidemias e crises econômicas podem ter um impacto desproporcional sobre certos grupos populacionais e levar ao aumento da desigualdade. Dada a experiência com casos anteriores e as informações atualmente disponíveis sobre a crise do COVID-19, bem como o conhecimento adquirido em crises precedentes, vale destacar os grupos populacionais como pessoas com problemas de saúde subjacentes ou idosas, com risco aumentado de problemas graves de saúde; jovens, que precisam enfrentar uma alta taxa de desemprego e subemprego, e são mais vulneráveis a uma diminuição na demanda por trabalho, como foi visto na esteira da última crise financeira global.

Em 22 de março de 2020, o governo federal publicou a Medida Provisória n. 927, que trata das medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de emergência de saúde pública em razão da disseminação do novo coronavírus (Covid-19).

Dentre as principais ações, estão: a prevalência absoluta da negociação individual (com exceção da Constituição Federal) entre empregador e empregado, a retirada da obrigação em fazer exames médicos ocupacionais, o não reconhecimento da Covid-19 como doença ocupacional, o esvaziamento das atividades da fiscalização do trabalho e a ampliação de possibilidades em que o tempo de trabalho não seja computado como tal.

Ampla parte das medidas adotadas pelo governo tem origem nas propostas da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para atenuar os efeitos da crise da Covid-19, como as relacionadas à segurança e saúde do trabalhador, a ampliação do banco de horas e a simplificação da adoção do teletrabalho. Além disso, o Ministério da Economia oficiou entidades patronais e representantes de diversos setores econômicos para que apresentassem informações sobre o impacto da Covid-19 e o Ministro se reuniu com pelo menos 10 representantes do setor privado nos dias que antecederam à edição da Medida Provisória n. 927.

Como se vê, foi dada grande atenção às demandas patronais. Porém, a postura do governo em relação às reivindicações dos trabalhadores foi bem diferente. Em 16 de março, as centrais sindicais divulgaram um documento com medidas de proteção à vida, à saúde, ao emprego e à renda dos trabalhadores e trabalhadores. Nenhuma das 33 propostas apresentadas pelos representantes dos trabalhadores foi contemplada na Medida Provisória n. 927.

Olhando para o passado recente, ignorar as demandas dos trabalhadores não é uma atitude inédita. A Lei n. 13.467/2017, a Reforma Trabalhista pouco levou em consideração as propostas apresentadas pelos sindicatos. No segundo semestre de 2019, o Ministério da Economia criou o Grupo de Altos Estudos do Trabalho, com o objetivo de analisar o mercado de trabalho brasileiro e propor novas alterações legislativas. Nenhum dos seus integrantes tem relação com os sindicatos de trabalhadores.

É evidente a importância de se pensar em medidas para mitigar os efeitos negativos no mercado de trabalho em momentos de crise econômica e social. Especialmente como a que vivemos, que adquire contornos desconhecidos e dramáticos para toda a sociedade. Contudo, certamente o melhor jeito de encaminhar esse debate não é adotar somente as propostas do lado mais forte da relação capital-trabalho e ignorar a parte mais vulnerável.

Estamos vivendo uma crise com dimensões inéditas e potenciais para afetar dramaticamente a vida de milhões de pessoas. Não é possível que as soluções para enfrentá-la sejam construídas sem que os trabalhadores sejam ouvidos. Os sindicatos são entidades centrais na organização política e social de milhares de pessoas, ao se constituírem como figuras principais de expressão política organizada para a apresentação de demandas trabalhistas e sociais de inúmeros setores da sociedade.

Os desafios colocados neste momento para toda a sociedade brasileira exigem a revisão da recente trajetória de exclusão dos trabalhadores na elaboração de medidas para regular o mundo do trabalho. Incluir os trabalhadores nesse debate permitirá rever o falso dogma “menos direitos, mais empregos” que orienta toda política pública do atual governo em matéria trabalhista. É urgente que os representantes dos trabalhadores sejam ouvidos pelo governo e os seus interesses sejam levados em consideração para o enfretamento da crise.

Somente assim teremos a oportunidade de fortalecer a democracia no Brasil, de permitir que os efeitos da retração econômica não sejam tão venenosos para os trabalhadores, de não construir soluções que sejam tortas e de ter um mínimo de estabilidade para lidar com os complexos problemas que temos pela frente.

Deus tenha piedade de nós.

O autor é Policial Civil, Diretor do SINPOL-AM, Bacharel em Educação Física e Direito e Especialista em Segurança Pública.

Colaborou: Jornalista Profissional Silvio Caldas. MTE-AM 416

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